A dor de uma mulher
é o reflexo das dores das suas irmãs, mães e ancestrais e dependerá do seu
fortalecimento e crescimento não perpetuá-la para suas descendentes.
(Mirella Faur, “O
Legado da Deusa”)
Curando feridas ancestrais
A história do parto da Maria Clara começou em 2011, quando resolvi fazer
terapia para elaborar meus sentimentos em relação à cesárea desnecessária do
meu primeiro filho. Além de querer me libertar das amarras do ódio, me chamava à
atenção o fato de eu ser a terceira geração de mulheres na minha família a ser
submetida a este procedimento. Quando minha mãe nasceu, em 1954, a indústria da
cesárea ainda não havia sido instalada. Não era comum uma criança nascer dessa
forma, o que significa que o procedimento de fato foi necessário naquela
situação. Há alguns anos atrás uma psicoterapeuta com quem eu fazia terapia
tinha me falado da Constelação Familiar, um tipo de terapia que trabalhava as
situações dolorosas e repetitivas nas famílias. A Constelação é uma terapia
sistêmica, entende que as relações familiares formam um emaranhado e que
vivências de outras pessoas podem ser carregadas, principalmente se houve a
exclusão dessa pessoa da família. Acontece através de um workshop, onde
cada participante elege um tipo de problema para ser trabalhado e escolhe
dentre os participantes quem irá representar os membros da família numa dada
situação. Existem também psicólogos que trabalham individualmente com essa
linha, e foi o que busquei.
O processo terapêutico foi bastante interessante: levantei toda a
história da minha família, nos mínimos detalhes, até a ancestralidade mais
antiga que conseguisse. Paralelo a esse trabalho de Constelação também aprendia
a lidar com o sentimento de ódio gerado pela cesárea. Pouco a pouco fui me
conhecendo um pouco mais: os efeitos da raiva e nervosismo no meu corpo,
caminhos para trabalhar a energia da raiva, como amenizar a sensação de
estresse através de exercícios de relaxamento e meditação. Meu terapeuta fazia
hipnose ericksoniana, o que me permitiu ter incríveis experiências em contato mais
direto com meu inconsciente. Nesse processo de autodescoberta, percebi que
apesar de ter uma história de vida completamente diferente da minha avó, estava
muito identificada com ela. Quando eu tinha seis anos ela faleceu, e isso foi
um impacto muito grande para mim, pois foi repentino e foi meu primeiro contato
com a morte. Pois bem, ao longo da terapia, um segredo de família veio à tona,
revelado por um primo da minha mãe. Descobrimos que minha avó se apaixonou por
um homem de etnia cigana. Minha avó ia fugir com esse homem, porém sua família
a trouxe à força para o Rio de Janeiro e aqui ela se casou com meu avô, por
quem não deveria estar apaixonada. Essa peça do quebra-cabeça me fez
compreender o que provavelmente fez seu parto complicar: ora, se o parto é uma
experiência da sexualidade, de amor, como se entregar a ele sem que tivesse
chegado ali através do amor? Sabemos que no parto emergem questões emocionais,
não seriam as complicações no trabalho de parto uma materialização do
sofrimento que ela carregava? Mexer no passado através da Constelação permitiu
conhecer esse capítulo doloroso da sua vida. Entendi que enquanto essa frustração
ficasse oculta e não fosse reconhecida, ela se manifestaria através da cesárea.
Era preciso conhecer esse pedaço da história da minha avó para resgatar o
respeito e entendimento que não teve da família, tratar seu passado com a
dignidade que merecia. Segui com o acompanhamento terapêutico até que me
descobri grávida pela segunda vez.
A gestação
Descobri minha gestação na quinta semana. Foi um misto de felicidade e
também de medo, mais um filho, novos desafios... Assim que soube da gravidez eu
sabia também que teria de fazer diferente da primeira vez. Estava decidida
dentro de mim que teria um parto domiciliar. Refleti muito durante dias. Eu
percebia que eu não tinha outra escolha, a marca da cesárea seria um motivo a
mais para algum obstetra tentar me colocar novamente na faca. E eu havia
perdido completamente a confiança nesse profissional e não queria esse
acompanhamento. Sou saudável e teria um espaço de quatro anos entre os dois nascimentos.
Procurei uma pessoa querida, enfermeira obstétrica, para acompanhamento, mas
por estar com muitos compromissos profissionais me deu duas indicações, de uma
outra enfermeira obstétrica e de uma médica que não é obstetra, mas atua como
parteira. Por conhecer mais de perto essa médica e compartilhar de algumas militâncias,
decidi iniciar o pré-natal com ela.
Avisei ao meu marido sobre minha escolha. Ele não concordou. Agendei a
primeira consulta de pré-natal e a parteira conversou bastante com meu marido, esclareceu
dúvidas. Mas ele dizia que não mudaria de idéia, pensava que parto em casa não
era seguro e afirmava que não seria convencido do contrário. Fiquei um pouco
angustiada, porque da mesma forma que ele disse que não mudaria de idéia eu
também não estava disposta a mudar. A experiência de ter o parto do meu filho
roubado só me dava uma certeza: aquele parto era meu e ninguém iria me tirar.
Se na pior das hipóteses ele discordasse veementemente, minha opção seria parir
no SUS, onde as chances seriam muito maiores do que na rede privada. Mas a
verdade é que eu estava disposta a assumir meu parto em casa e suas
conseqüências mesmo sozinha.
Mandava vários textos sobre parto para o e-mail do meu marido. Um belo dia,
num almoço de família, ele resolveu comunicar a seus parentes que nossa filha
nasceria em casa. Foi um choque, sobretudo para a mãe e para a irmã dele. Eu
tinha optado por não contar nada para minha família, apesar do meu pai ter
nascido em casa. Não queria que ninguém interferisse ou opinasse numa escolha
que era minha. Apesar de não ter ficado confortável em dividir essa escolha com
a família do meu marido, percebi que ele ter tido essa atitude era uma
demonstração da sua aceitação com relação a minha escolha.
Os meses foram passando, eu estava bem de saúde. O pré-natal era
completamente diferente da outra gravidez, tão medicalizado. O pré-natal com a
minha parteira, sim, era um acompanhamento de saúde. Comecei a fazer yoga, li
alguns livros, assisti a uma palestra do Michel Odent. Era muita informação, e
disso tudo comecei a perceber o que seria importante para que eu tivesse um bom
parto. Algumas idéias de Odent me chamavam a atenção. Ele sempre fala da
questão do córtex primitivo, de como a mulher precisa acionar esse local do
cérebro no parto. Li um texto na Internet onde ele descrevia a forma das índias
parirem, saindo sozinhas da tribo e mantendo-se isoladas em seu parto. Com o
autoconhecimento da terapia sabia que esse era o caminho para que tudo desse
certo no meu parto: romper com a minha extrema racionalidade, com meu controle
excessivo e ficar sozinha, concentrada, me conectando com meus instintos e sem
tentar controlar nada, principalmente meu corpo. Sabia que precisava virar uma
mulher selvagem.
Fui pensando no meu plano de parto. Não queria música, aromas, velas...
Queria tudo muito simples, queria poder me concentrar e me conectar com meus
instintos. Sabia dentro de mim que para acessar esse lado primitivo era preciso
recolhimento. Optei em ter o mínimo de pessoas comigo. Apenas meu marido e meu
filho estariam em casa, a equipe seria a médica parteira e a auxiliar (a
princípio a enfermeira que procurei primeiro). Para mim era gente suficiente e
eu queria ficar o máximo possível sozinha.
Fui acertando detalhes, planejando a retaguarda. Diferente da primeira
gestação, em que tive no máximo contrações de Braxton-Hicks e nem sequer entrei
em trabalho de parto, comecei a ter contrações tipo cólica menstrual com 34
semanas, perdi um pouco de tampão mucoso com 37 semanas. Meu corpo dava alguns
sinais de que estava trabalhando.
Com 38 semanas comecei a me sentir angustiada. Uma irritação, um mal
estar. Não sabia o que me fazia mal. Uma noite resolvi sentar e escrever sobre
meus sentimentos, como havia aprendido numa oficina literária. Escrevendo,
organizando meu pensamento, consegui descobrir o que me assombrava: era o
fantasma da cesárea, mais especificamente da oligohidramnia que tinha sido o
motivo da cirurgia. Percebi naquele momento que o que me angustiava era o medo
de naquele final de gestação ter que ser submetida a algum exame, e que esse
exame desse algum problema, ou melhor, esse mesmo problema. Me assustava a
possibilidade de chegar em 41 semanas, porque se isso acontecesse eu não teria
como escapar do monitoramento. Percebi que a cesárea me deixou outra marca, a
perda da confiança no meu corpo.
Foi fundamental essa compreensão. A partir daí iniciei um trabalho
espiritual (não num sentido religioso, e sim de fé em mim mesma). Comecei a
fazer reprogramação mental com afirmações positivas sobre a minha capacidade de
parir, buscava me harmonizar através da respiração e fazia meditação orientada,
buscando acessar minha voz interior. Cheguei em 39 semanas e decidi relaxar,
fazer coisas que me dessem bem estar, curtir os últimos momentos da minha
barriga. No dia 31 de agosto, o último sábado da minha gestação, me lembro de
ter tido uma estranha sensação, de que ficaria grávida para sempre... No dia
primeiro de setembro fui fazer uma sessão de fotos com a família, para celebrar
a barriga. A data provável estava próxima, era dia 5 de setembro.
Pródromos
Na segunda, dia dois de setembro, acordei com um pouco de sangramento,
eliminando uma secreção rosa. Fiquei bastante feliz, meu corpo estava em ação.
Não telefonei para as parteiras, fiquei me observando ao longo do dia. Perdia
aos poucos tampão mucoso, no final do dia fui para a yoga e quando voltei tive
muitas contrações de Braxton-Hicks. Em casa, de noite, essas contrações foram
mudando, foram ficando tipo cólica menstrual. Resolvi telefonar para contar as
novidades. Conversei com as duas parteiras, elas me explicaram que o parto
poderia ainda demorar mais uma semana. Mas não estava ansiosa, o mais
importante era ver meu corpo trabalhar! No dia seguinte as contrações não
aumentaram. Continuei tendo várias, porém sem ritmo. Meu corpo pedia para
descansar, e assim fiz. Comecei a aproveitar aquelas contrações para descobrir posições
que me permitiriam aliviar seu desconforto. Na quarta-feira saí com a família,
caminhei bastante e tive várias contrações. Preferi não ir para a aula de yoga.
Senti de noite minha filha pressionando minha pelve.
Virada da lua: sintonia com os ritmos da natureza
Algumas semanas antes, por curiosidade, eu tinha pesquisado sobre a influência
da lua no parto. Fiz a contagem das luas: Maria Clara foi concebida na lua
minguante, a data provável do parto seria na virada da nona lua minguante em
lua nova, no dia cinco de setembro. No dia quatro alguém postou no Facebook a
hora da virada da lua: lua nova a partir de umas oito da manhã do dia cinco de
setembro. Na madrugada da virada do dia quatro para o dia cinco, não conseguia
dormir. Umas três da manhã as contrações começaram a ganhar ritmo. Fiquei
observando até quatro da manhã, e eram duas a cada dez minutos. Tomei banho
para relaxar e as contrações espaçaram mais. Lá pelas seis voltaram a ficar
ritmadas. Quase oito da manhã telefonei para minha parteira, ela pediu para
observar mais depois que todos acordassem e disse que em casa que tem criança é
comum as contrações espaçarem e voltarem a ficar ritmadas de noite.
Trabalho de parto
Quando meu filho acordou o ritmo das contrações diminuiu. Mantive minha
rotina normal, fazendo as coisas da casa e procurando posições e movimentos que
me dessem conforto durante as contrações. Fiquei na rede, me dependurei nela,
mas o que me deixava mais confortável era rebolar ou sentar numa cadeira bem
baixinha de guardar bloquinhos do meu filho, que me deixava meio que de
cócoras. Não senti muita fome e comi muito pouco. Tive um pouco de diarréia,
meu corpo foi aos poucos se limpando. Nesse dia estava agendada a consulta de
pré-natal. A enfermeira que ia me acompanhar junto à médica parteira ia fazer
uma viagem de alguns dias e tínhamos combinado de nessa consulta conhecer a
outra enfermeira, que poderia substituí-la se necessário. Depois de umas três
horas da tarde elas chegaram e comecei a ter muitas contrações. Conversamos, eu
tinha colocado no meu plano de parto que não desejava toques, mas elas me
perguntaram se poderiam fazer e eu acabei aceitando. Apesar de ter escrito que
não desejava saber sobre a dilatação para poder me desvencilhar do meu lado
controlador, acabei concordando. Acho que estava um pouco curiosa para saber
como as coisas caminhavam... Estava com 5 cm. Elas acharam melhor não ficar na
minha casa, conversaram comigo e com meu marido que ficariam por perto e retornariam
assim que Pietro dormisse, mas que qualquer coisa de diferente que acontecesse
era só ligar que elas viriam. O dia foi passando e eu procurava descansar um
pouco entre as contrações. Quando anoiteceu meu marido arrumou tudo para o
Pietro dormir mais cedo e incrivelmente ele apagou as oito da noite, coisa que
ele nunca faz! Umas nove da noite as contrações foram ficando intensas e
comecei a sentir uma pressão na região retal. Pedi para meu marido chamá-las.
Não faço a mínima idéia de quanto tempo elas levaram para chegar, nem sei
exatamente o que fiquei fazendo. Meu marido disse que eu fiquei no quarto,
andando, já dando urros nas contrações. Eu não me lembro mesmo disso! Lembro
que elas chegaram e eu fui para o chuveiro, sentei na banqueta de parto e
fiquei lá, urrando como uma mulher selvagem. Um monte de coisas foram passando
na minha cabeça... Eu me preparei para sentir a dor que fosse, mas a
intensidade daquelas contrações superava o que eu esperava. Me perguntei como
eu tinha escolhido estar ali, mas quando pensei em qual seria a outra
alternativa – uma cirurgia – me entreguei de vez ao meu parto, pois essa outra
alternativa eu abominava. Lembrei de duas amigas falando de seus partos: “a dor
te joga no chão”, “sobrevivi ao parto normal”. A cada contração eu me
entregava. Estava na minha casa, no meu território, poderia urrar quando
quisesse e como quisesse. Às vezes passava pela minha cabeça se eu conseguiria
agüentar até o final. Senti enjôo, mas não cheguei a vomitar. Num dado momento
a bolsa rompeu, mas não lembro se fez algum som ou se eu senti o líquido
escorrendo. As contrações ficaram menos dolorosas e os puxos foram chegando.
Parto: entrega à essência primitiva
Meu marido tinha ficado inflando a piscina. Eu queria colocá-la no
quarto, mas ficaria grande e dificultaria a passagem das parteiras. Elas
optaram por colocar na copa, mas eu não quis ir para lá e preferi ir para meu
quarto. O ambiente estava escuro, apenas iluminado por uma luminária. Fiquei
muito tempo de quatro apoios. Nesse momento as contrações eram diferentes, não
mais dolorosas. Elas exigiam força, muita força. Exigiam que meu corpo inteiro
trabalhasse. E quando elas vinham eu me entregava, urrava, fazia força. Ficava
sempre de olhos fechados, era como se eu precisasse olhar para dentro de mim em
busca da força para parir. Como fiz hipnose por um bom tempo, percebo que no
momento do expulsivo, na verdade desde a hora que fui para o chuveiro, entrei
num estado alterado de consciência. Eu tinha uma certa noção do que acontecia
ao meu redor, mas minha mente estava num outro plano. Muitas vezes na hipnose,
quando eu começava a entrar nesse estado alterado de consciência, via uma luz branca
e isso aconteceu em muitos momentos nos intervalos entre as contrações. Fiquei
em quatro apoios, voltei para a banqueta de parto. Meu corpo todo trabalhava a
cada contração, e pouco a pouco fui me sentindo muito cansada, exausta. Parecia
que a força estava acabando, mas eu tinha que encontrar forças... A parteira
assistente, a quem fui apresentada naquele dia, mas que parecia que já conhecia
há muito tempo, me falava palavras de encorajamento, que eu estava conseguindo,
que muitas mulheres no planeta estavam parindo naquele momento, que de manhã eu
já estaria amamentando minha filha. Tudo isso ela foi falando aos poucos, em
voz baixa, apenas quando eu retrucava dizendo que estava cansada. Elas me
sugeriram outras posições e acabei indo para a cabeceira da minha cama. Sentei
com a perna esquerda fletida e a direita estendida. Comecei a achar que estava
demorando, que não ia conseguir. E aí que a parteira me disse que a Maria Clara
estava chegando, que se eu tocasse eu poderia sentir a cabeça dela. Me lembro
apenas dela dizendo isso, de colocar a mão, mas segundo a parteira assistente
nessa hora eu abri um grande sorriso, e assim eu pari a minha filha! Ela nasceu
no último minuto do dia cinco de setembro, quando completou quarenta semanas! Senti
o círculo de fogo e permaneci de olhos fechados, olhando para dentro de mim.
Quando a Maria Clara veio para meus braços olhei para ela e me veio uma
sensação indescritível... Eu não acreditava que tinha conseguido trazer minha
filha ao mundo! Olhava para ela encantada, fascinada por aquele milagre que eu
tinha vivido. Toda dor sumiu de repente, como magia! Fiquei sentindo aquele
delicioso cheirinho da minha filha coberta de vérnix caseoso, olhando para ela,
seus olhinhos, seus cabelos escuros, dando boas vindas... Não me lembro ao
certo o que disse, mas a sensação que tive foi marcante, foi de um amor
instantâneo e visceral. Pedi para chamar meu marido. Ficamos juntas, eu
esquentava seu corpo com o meu e ela foi sendo enrolada no meu colo. Ofereci o
peito, mas ela não quis mamar. O cordão umbilical foi cortado pelo meu marido
somente quando parou de pulsar e meia hora depois a placenta tinha sido
expulsa. Um tempo depois Maria Clara quis mamar e permanecemos juntas por toda
a madrugada. Minha filha foi recebida nesse mundo num ambiente de amor.
Surpreendentemente meu filho não acordou um minuto sequer, mesmo com todo
o barulho que fiz. No meio da madrugada ele acordou e veio para a nossa cama,
mostrei para ele que a irmãzinha havia nascido, ele começou a falar um monte de
coisas e deitou na cama para dormir conosco. No começo do dia comuniquei para
toda a minha família que minha filha havia nascido em nossa casa.
O legado do parto
A sensação de parir é algo indescritível. É um misto de encantamento, uma
sensação de poder, uma felicidade, realização plena... Para entender é preciso
passar por esse portal e eu acho que é por isso que as mulheres pró-cesárea se
irritam quando falamos do poder do parto. É uma sensação que a cirurgia nunca
vai te dar e que você nunca vai sentir em outra experiência da vida. A lição
que aprendi com o parto foi da entrega, de que há momentos e situações na vida
que é preciso se entregar de corpo e de alma. E nisso o parto se aproxima da
morte, afinal a morte exige total entrega ao desconhecido. A experiência do
parto também me mostrou uma força em mim desconhecida, me mostrou o que é o
poder feminino. Nos dias que se seguiram ao parto me senti completamente feliz,
realizada, ocitocinada!
O parto da Maria Clara teve muitos significados. Significou a minha
ruptura e enfrentamento do perverso sistema obstétrico brasileiro. Simbolizou a
conquista do meu empoderamento, um empoderamento consciente em que percebi que
não bastava somente buscar conhecimento, era preciso buscar dentro de mim a
confiança no meu poder feminino, acreditar na perfeição dos nossos corpos
parideiros. Simbolizou o fim de um ciclo e a cura de uma ferida ancestral. Foi
o renascimento do parto na linhagem feminina da minha família. A escolha do
nome Maria Clara se deu porque sempre quis colocar Clara numa filha. Meu nome,
Clarissa, deriva de Clara e tem o mesmo significado. Acabei escolhendo Maria
para integrar meu filho nessa escolha, já que ele cismou desde o começo que queria
que a irmã se chamasse Sandra Maria. Coincidentemente minha filha, com seu nome
composto, une duas gerações de mulheres parideiras: a da minha bisavó Maria,
mãe da minha avó e que pariu todos os seus filhos em casa, e a minha. Assim
como minha bisavó, pari em casa e resgatei o parto como forma de nascer nessa
família, rompendo com a repetição de uma história de nascimentos violentos e
desumanos.