quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Culpa de quê? De onde vem tanta culpa?

Definitivamente, eu devo ter algum problema. Ou então eu sou uma mãe anormal. Porque essa culpa toda que falam por aí, eu nunca senti. Uma culpa que nasceu junto com o filho, que é sentida a cada instante, que martiriza, eu realmente não sei o que é isso. Eu não sou perfeita, é claro. E claro que já senti culpa em diversos momentos, esse sentimento faz parte da vida. A grande questão é o que fazer essa culpa, guardar ou transformar. Quando me sinto culpada por algo olho para a frente, para o que eu posso mudar, para o que eu não devo repetir e prossigo, elaborando o sentimento de culpa e transformando em ação para melhorar. Em algumas situações tive culpa sim, em outras que corriqueiramente muita gente se sente culpada, tentei enxergar além e ver quem era responsável pelos fatos.

A primeira vez que me senti culpada foi quando estava com os mamilos fissurados e não conseguia logo de cara colocar o Pietro para mamar. Eu levava um tempo para conseguir colocá-lo no peito, pois já sabia da dor que iria sentir. Ele ficava chorando, querendo mamar, e eu buscando meu tempo de conseguir colocá-lo no peito. Me sentia culpada nesse momento. Mas meu marido sempre me apoiou nessas horas, me ajudava a relaxar, colocava música. Depois, no grupo das Amigas do Peito, aprendi a amamentar em outras posições que me causavam menos dor. Todas essas dificuldades passaram, e o sentimento passou.

Uma outra situação em que me senti bastante culpada foi quando ele tinha 8 meses. Estava aborrecida com um desentendimento familiar e durante o almoço falei ríspida com ele, para que ele não colocasse a mão na comida. Depois disso, nas refeições, ele ficava com medo de colocar a mão na comida, e isso cortou meu coração. Me senti muito mal, tão mal que naquele momento precisei desabafar com alguém, e foi um padre mesmo que me ouviu (não sou católica, mas naquele momento foi quem eu podia buscar para desabafar). Foi a melhor coisa que fiz, depois dessa conversa fiquei melhor, meu medo era de ter traumatizado meu filho, mas o padre me confortou, disse que aquilo seria superado, como de fato foi. Hoje não me sinto mais culpada, mas aprendi que não devo deixar irritações com outras coisas interferir na relação com meu filho.

Trabalho fora, mas não me senti culpada quando a licença maternidade acabou. Quando voltei a dar plantões noturnos, sabia que o Pietro estava ficando com a melhor pessoa, o pai. Ele tinha 8 meses nessa época, e para mim, naquele momento, voltar a trabalhar foi muito bom. Eu vi diversos aspectos positivos: novamente eu tinha um momento meu, era a hora de eu assumir outro papel diferente daquele que eu desempenhava 24h por dia, o trabalho me permitia colocar um pouco de lado o papel de mãe e exercitar o lado mulher, profissional. Voltar a trabalhar significava ter convívio com meus pares, conversar sobre outras coisas, arejar a cabeça. Voltar a trabalhar foi saudável. Quando ele completou 1 ano eu voltei a trabalhar no meu segundo emprego, ele começou a ficar meio período na creche e eu mantive os cinco plantões mensais. E continuei sem sentir culpa por ter de trabalhar, não ficava mais o tempo todo com ele, mas continuei passando um bom período junto, suficiente para cuidar, acompanhar seu crescimento, seu desenvolvimento. Cortar o cordão umbilical é preciso. Os filhos não são nossos, são do mundo, então precisamos aprender o desapego. O trabalho me mostrou a perspectiva do desapego.

Acho importante ver o lado positivo das coisas. A creche, por exemplo. Para mim o ideal seria que ele tivesse entrado somente com dois anos, mas no sistema que vivemos ninguém vê o seu lado pessoal, porque você vale a sua força de trabalho. Se eu tive que voltar a trabalhar a culpa não foi minha, afinal eu preciso de dinheiro para sobreviver, mas vivo em uma sociedade que coloca as relações em segundo plano, que valoriza o capital, a produção, e eu preciso produzir para poder sobreviver. As pressões dessa sociedade não me permitiram ficar mais tempo com meu filho, mas por ser funcionária pública ainda tive o privilégio que outras mulheres não têm, de poder ter um ano de licença amamentação no meu emprego de dia. Ao invés de sentir culpa de ter de trabalhar a gente devia era brigar por um afastamento do trabalho decente para poder cuidar de nossos filhos até eles poderem ficar numa creche ou escolinha numa idade em que já falam, já possuem o sistema imunológico amadurecido. Isso é o correto e é o que acontece em países da Europa, como a Alemanha. Mas voltando a questão da creche, se ele tivesse entrado mais tarde teria adoecido menos, porque com dois anos a imunidade é outra. Mas não deu e não carrego essa culpa. No final das contas, ir para a creche deu a ele muitos outros ganhos: pôde conviver com outras crianças, socializar, se desenvolveu muito em todos os aspectos, o que não teria acontecido se ele ficasse só comigo em casa.

Talvez o que me faça não sentir culpa é poder ter muito convívio com ele, poder distribuir meus horários de forma que posso cuidar dele, fazer a comidinha, brincar, estar junto, educar. Eu não tenho a sensação de que meu filho está crescendo e eu estou perdendo essa fase, porque posso estar junto, nos afastamos apenas meio período por dia. Os dias de plantão são mais corridos, mas encaro como um mal necessário. Nesses dias não perco tantas coisas de nosso convívio, pois a maior parte da noite ele fica dormindo. Não terceirizo o meu papel, e isso me faz me sentir cumprindo corretamente a função de mãe.

Realmente, tudo tem dois lados. Mas mostrar soluções paliativas não é o caminho para livrar alguém da culpa. A libertação do sentimento de culpa está dentro de cada um, na reflexão e na busca do aprendizado em cima da situação vivida, da não repetição dos erros, o que é totalmente diferente da proposta da campanha "Culpa Não", da Revista Pais e Filhos. Infelizmente as pessoas não pensam assim e sentem uma culpa que eu não consigo entender. Ainda bem que não faço parte desse time, e esse tipo de publicidade não me atinge.